Por Guilherme Grandi
Duas das reformas estruturantes mais esperadas pelo mercado e que já estão no Congresso devem ter caminhos diferentes no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A primeira, a tributária, foi elencada como prioritária pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A reforma administrativa do Estado, por sua vez, deve ser "enterrada".
O deputado Rogério Correia (PT-MG), que coordenou a área técnica do trabalho na equipe de transição, sugeriu que a reforma administrativa da PEC 32/2020 seja arquivada.
O relatório final do gabinete de transição de Lula afirma que a reforma administrativa do governo Bolsonaro tinha "más intenções", ecoando avaliações que PT e esquerda fizeram nos últimos anos a respeito da ideia de rever as regras do serviço público.
"[No governo Bolsonaro] a gestão pública permaneceu à deriva, distante de uma concepção de Estado republicano, democrático e desenvolvimentista. Ao contrário, essa agenda foi fortemente dominada pelas más intenções da PEC 32/2020, que mais atrapalharam que ajudaram a identificar os verdadeiros problemas estruturais do setor público brasileiro, a saber: o autoritarismo, o burocratismo, o privatismo, o fiscalismo e o corporativismo", diz um trecho do relatório da transição.
A PEC 32/2020 foi enviada à Câmara dos Deputados em setembro de 2020 e aprovada um ano depois por uma comissão especial. Deveria ser votada em plenário na sequência, mas não avançou por falta de esforço do governo Bolsonaro, conforme o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o "entorno do presidente bloqueou" o avanço da reforma.
Entre as propostas da reforma administrativa que desagradam os servidores estão:
possibilidade de demissão por desempenho insuficiente;
corte transitório de jornada de trabalho e remuneração em até 25% em caso de crise fiscal;
permissão para contratação temporária pelo prazo de dez anos;
travas para benefícios tidos como “privilégios”; e
fim da aposentadoria compulsória como modalidade de punição.
Tais medidas não prosperariam no Congresso em pleno ano eleitoral, segundo sentenciou o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, no fim de 2021.A discussão da reforma administrativa quase não ganhou holofotes durante a campanha presidencial. Lula pouco a citou em seu plano de governo e em sabatinas. De modo geral, o PT e toda a esquerda se opunham a regras mais rígidas para o serviço público.
O presidente eleito reconhecia que era preciso rever as carreiras de Estado, mas não ia muito além. Falava genericamente, defendendo "dar mais transparência aos processos decisórios, no trato da coisa pública de modo geral, direcionando a esfera pública e a ação governamental para as entregas públicas que realizem os direitos constitucionais".
Para Mário Sérgio Lepre, professor e mestre em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), qualquer reforma administrativa terá muita dificuldade em avançar em um Congresso muito sensível a pressões corporativistas.
“Isso mexe em uma série de coisas que vão gerar um ambiente corporativista que impede o debate, porque o próprio deputado está inserido nisso. [O funcionalismo] é um setor extremamente delicado e que vai utilizar toda a sua força política. Imagina fazendo greves para todos os lados. Eles têm um instrumento de pressão muito forte”, diz Lepre.
O cientista político comenta que os próprios estudos para se fazer uma reforma administrativa passam por servidores que são concursados e têm estabilidade de emprego, e que vão depender de outros servidores igualmente na mesma situação: “São poucos deputados que votariam tranquilamente”.

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